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quarta-feira, 14 de setembro de 2016
Quando a Educação resiste ao tempo...
A Educação é um campo dado a modismos. De tempos em tempos, observamos novas ondas, novos conceitos e terminologias. Algumas delas vão e vêm com novas roupagens. Nos anos 70, falava-se em Educação Permanente e do papel da reflexão na articulação entre teoria e prática, por exemplo, pela voz de Pierre Furter. Hoje falamos em formação contínua e o profissional reflexivo, na onda iniciada nos anos 90 por Donald Schön.
Nosso mundo consumista atinge o mundo das ideias e dos cursos. No campo dos professores, isto tem sido nítido. Mas também no campo empresarial no que se refere à formação de seus profissionais, numa ilusão de que novos programas, bem formatados darão o sucesso até então não conseguido. "É preciso recusar o consumismo de cursos, seminários e ações que caracteriza o atual 'mercado da formação' sempre alimentado por um sentimento de 'desatualização' dos professores", como disse tantas vezes António Nóvoa, em suas palestras e escritos, desde finais dos anos 90. Válido para os professores, mas também para os profissionais de várias outras áreas. Como profissionais, também agimos como consumidores e, com relativa facilidade, substituímos práticas e programas em andamento por "novidades".
O problema é que neste campo, o da formação de gente, é necessário tempo. Tempo para crescer, amadurecer e dar frutos. Algo não muito em moda nesses nossos tempos acelerados. Injeta-se hormônios no pintinho para o frango crescer rápido. Acelera-se a alfabetização de crianças para terem mais chances no mundo competitivo. Há algo aí contra a natureza. Contra a saúde, contra a vida, Em vez de formação humana, podemos encontrar deformações no corpo físico e nas emoções, que são diretamente afetada pela vida dos órgãos.
Mas no campo da formação não tem jeito, aprender e incorporar (colocar no corpo) conhecimentos e práticas necessita de tempo. De insistência e persistência. De disciplina e humildade intelectual, produtos escassos nas prateleiras 'ready to use' ofertadas ao consumidor. É trabalho 'de dentro' de cada um.
Outro problema no campo da formação é que os resultados demoram a aparecer. Justamente porque ficam longo tempo dentro, germinando. Os efeitos da ação dos educadores e formadores - de crianças ou adultos - podem levar anos para aparecer. E, quando aparecem, já podemos não estar mais por perto para constatar. As crianças crescem, casam, mudam de cidade. Os adultos mudam de empregos, quando não de profissão. Seus professores se aposentam, envelhecem...e morrem (já falei muito desse assuntos mais 'sombrios' neste blog e não vou voltar aqui, afinal, a luz e o sol também fazem parte de nossos ciclos de vida e desenvolvimento, não é?).
São muito raros os estudos longitudinais, realizados durante um longo período, como o realizado por pesquisadores de Harvard em busca do que gera a felicidade, já citado neste blog (10/7/2016). Naquela pesquisa, gerações de pesquisadores se sucederam, uns dando continuidade ao que seus antecessores haviam começado. E assim, puderam divulgar o surpreendente resultado da mais longa pesquisa comportamental jamais realizada. Durou 75 anos. E constatou que os ingredientes para a felicidade são os bons relacionamentos, os laços afetivos fortes e a estabilidade emocional. Ingredientes que não encontramos na prateleiras e não são produzidos em escala. São frutos de um trabalho longo, mais próximo da arte e da manufatura. Assim como as ações de formação.
Neste momento de vida mais solar, estou comemorando algumas ações de formação que venceram o tempo. E vou partilhá-los aqui: 1) Tenho recebido noticias periódicas de meus ex-alunos das 4ªas séries, que reencontrei na fase dos 40 anos para ouvir suas histórias de vida, nos últimos 30 anos. Cada vez que tenho uma notícia deles, bato um papo com a professora que fui, ouvindo seus anseios e dúvidas e ela ouvindo o que tenho a lhe dizer; 2) Também estou em contato com a escola que há 20 anos introduziu as Rodas na formação de alunos e professores, a Nane, em Moema. E continuam a fazê-lo. E colher seus frutos. Recentemente escreveram um livro: "O passado revisto - memórias docentes como recurso formativo", e me convidaram para o prefácio. Nessa ocasião, a conversa foi com a coordenadora pedagógica que fui, lembrando dos embates internos e externos e das pessoas que lá estão até hoje, ou que por lá passaram deixando suas próprias contribuições; 3) Há 10 dias recebi uma mensagem no Facebook do Pedro, presidente da Clearsale, celebrando os 6,5 anos de Rodas e Registros na empresa. Apesar de serem especializados em tecnologia, estatística e super voltados para a inovação, as 'ferramentas de formação' não se tornaram obsoletas. Nem aqueles que as ajudaram a construir foram esquecidos. Novos ciclos, novas equipes, dando continuidade a um processo iniciado por aqueles que vieram antes. Assim como os pesquisadores de Harvard.
Acho que é como num time de futebol. Ou voley. Cada um que recebe a bola (ou vai buscá-la), dá o seu toque, e a manda para a frente. Ou recua um pouco, trocando toques com os companheiros do time, criando novas táticas, acrescentando algo de seu ao jogo coletivo, antes de a lançarem. Recebi a bola da Madalena Freire, que a recebeu de seu pai, Paulo Freire, passando por Célestin Freinet e tantos outros. A tarefa agora é contribuir para que ela seja mais e mais trabalhada nos vários campos onde houver gente (escolas, empresas, hospitais...) por quem lá estiver. E passada à frente.
terça-feira, 30 de agosto de 2016
Aprender a viver e a morrer, graças aos amigos
Quando aprendi a ler, ganhei de meus pais um abajur. Desde então, antes de dormir, lia. Meu pai, após pedir uma vez para eu apagar a luz, vinha conferir olhando embaixo da porta para ver se estava tudo escuro (acordar cedo para ir à escola era sempre difícil e ele queria me colocar na linha). Descobri pouco depois das primeiras desobediências que se eu colocasse uma lanterna por debaixo das cobertas e continuasse a leitura escondida, driblava a vigilância. Só lhe confessei isso quando ele já era idoso. Nessa altura, eu não corria mais o perigo dele terminar com minhas conversas e escritas noturnas. Pelo contrário, ríamos -ou chorávamos - de episódios de nossas vidas. Naquela época, escrevíamos sua história de vida, de modo que fui descobrindo alguns episódios que não conhecia de sua vida. Foi num desses momentos que descobri: herdei dele esse tipo de malandragem, ou melhor, a 'habilidade' de dar a volta na autoridade, como fez ele na infância para escapar da autoridade de meu avô e este, da de Hitler. (falei dessa sua traquinagem no post de agosto de 2013, em homenagem ao Dia dos Pais). Ri sozinha ao escrever as linhas acima... Como é bom achar uma desculpa ou um culpado para aquilo que está guardado em nosso lado sombrio, não é?
Acho que
a hora de dormir é como uma pequena morte, uma entrega, um desligar-se do mundo
de cá, que é maravilhoso, com seu universo de possibilidades e leituras
noturnas (uma 'morte', que apesar de doce, adio sempre). Quando vencida pelo
cansaço, encontro o mundo de lá, também maravilhoso, com o imenso universo
onírico, que vira matéria de conversas com os amigos junguianos ao meu redor.
Continuo com dificuldade de apagar o abajur. E de acordar de manhã. Os livros
foram meus primeiros amigos.
Danièle
Renauld, em seu texto sobre o trabalho de luto, citado no post anterior, fala
que uma das dificuldades da fase de luto é que ele nos remete a duas realidades
simultaneamente: a perda da pessoa querida e a realidade de nossa própria
morte. É sobre isso que fala Stanley Keleman, um "amigo" recente, em
seu livro Viver o seu morrer. Stanley ajuda a compreendermos o
significado de nossas pequenas mortes, vividas diariamente, como forma de nos
dar condições de enfrentá-las sem medo ou morbidez. Já na abertura do livro,
ele diz: "Viver é movimento. Uma outra palavra para isto é processo. Viver
o seu morrer é a história do movimento de sua vida". Vida feita de
movimentos de expansão e contração permanentes. A vida é pulsante, sempre. A
expansão é a parte do movimento que nos envia para além de nossas barreiras
físicas, em direção ao mundo da interação social, por exemplo, enquanto que o
movimento de contração, de recolhimento, nos leva para dentro, física ou
emocionante falando, para a introspecção.
Em outro
livro seu, Anatomia Emocional, Stanley também contribui para o trabalho
de luto e para a compreensão do morrer. E do viver. Diz ele: "A vida é um
evento inteiro e não uma série de subsistemas, e todas as formas de vida são
interligadas, brotando de uma única matriz comum (...). Cada um de nós é uma
cadeia de fatos vivos, uma rede organizada, um microambiente que compõe um
macro-organismo". Stanley é um dos amigos que me acompanham nas reflexões
sobre o trabalho de luto de meu pai, retomados agora pela fase delicada da vida
de minha mãe, que remete a meu próprio morrer. As reflexões desses amigos
recentes, Danièle e Stanley, me ajudam a olhar para dentro, identificando
minhas emoções. E para fora, buscando a compreensão dos processos de vida do
morrer para além da dor pessoal. Também como um pulsar.
E por
falar em amigos, não posso deixar de me referir ao Marco Spinelli, que escreveu
recentemente o belo texto "Solve e coagula" em seu blog, que,
sincronicamente, conversam com essas reflexões sobre o pulsar da vida.
Junguiano, Marco fala do conhecimento dos alquimistas e possibilita sua
compreensão oferecendo vários exemplos, desde o vivido por Sir Percival em sua
busca do cálice sagrado, até alguns bem recentes, como o vivido por Diego
Hipólito em sua luta, coroada na última Olimpíada. Posso emprestar esse meu
amigo: http://blogdomarcospinelli.blogspot.com.br/.
Nesse
movimento de partilhas, reflexões sobre o viver, envelhecer e morrer, António
Nóvoa lembra um de seus amigos artistas, o surrealista Cruzeiro Seixas, que
"lhe" disse: "Quantos anos de dura aprendizagem são precisos
para um homem aprender a viver?”. Num congresso sobre o envelhecimento,
António, que à época era reitor da Universidade de Lisboa, formula:
"quantos anos de dura aprendizagem são precisos para um homem aprender a
morrer?”. Ele acentuava ali a importância da construção dos conhecimentos com
base nas pessoas e nas suas experiências, e a responsabilidade das universidades
de valorizar, também, este autoconhecimento, pois “ele é a base necessária em
que assenta qualquer processo de formação de um adulto”.
Stanley é
amigo recente, mas os livros de Jung me acompanham há décadas. Há alguns meses
fui visitar o “seu” lago, em Küsnacht, na Suiça, numa reverência ao que ele me
ensinou. E ensina. Este é o poder dos grandes mestres: transcendem a própria
morte.
Stanley
"me" contou, em seu livro sobre o morrer, uma história do Jung,
que teria recusado um paciente , dizendo que não estava mais atendendo
pacientes novos, pois estava se preparando para morrer. "Isto aconteceu
cerca de um ano antes da morte de Jung. A partir dessa história, reconheci que
Jung conhecia bem sua vida. Ele precisava de tempo para deixar que seu processo
chegasse ao seu final. Ele sabia como estar com sua vida. Ele sabia como fazer
o seu fim e viveu este fim completamente" (p. 46).
O que me
ajuda a viver (e a morrer), diariamente, é essa rede de amigos. E a dos amigos
deles.
domingo, 10 de julho de 2016
Felicidade no trabalho?
Sim! É possível e dá lucro! É o que mostra a pesquisa realizada pela Universidade de Harvard, a "mais longa pesquisa comportamental jamais realizada no mundo", o Grant Study, referida no jornal O Estado de São Paulo de hoje. O objetivo da pesquisa era acompanhar o desenvolvimento do ser humano a partir do impacto da sua saciedade emocional. 724 pessoas foram acompanhadas desde 1938, observando uma série de variáveis e possibilitando um recorte corporativo. Foi possível constatar e mensurar o vínculo entre a vida pessoal satisfatória, produtividade e êxito profissional, algo muito além do que se costuma fazer para "motivar" os funcionários: oferecer benefícios, promoções e regalias. O estudo evidenciou o papel fundamental das vivências na infância e a importância de relações harmoniosas no decorrer da vida e no ambiente de trabalho. Já sabíamos disso, mas num mundo fascinado pelos números e mensurações, um estudo como esse pode ser poderoso. Mas não se jogarmos toda a responsabilidade para as pessoas, que devem ser resilientes, não acumular mágoas e cultivar o que se vem chamando de "pensamento positivo", como o que já está a acontecer... Também acredito na responsabilidade de cada um pelas suas emoções e pelo que faz delas. Mas também na responsabilidade das organizações pelo cultivo do ambiente de trabalho, das relações pessoais de quem ali trabalha. Senão por motivos humanistas, pela lucratividade que pode gerar, já demonstrada pelo estudo de Harvard.
Acostumados que estamos com o pensamento dual (do tipo ou...ou...) e certamente com alguma contribuição de nossa herança judaico cristão (que associa o sofrimento à purificação), o "foco no resultado" costuma estar em oposição a um ambiente saudável e humano nas empresas. Não há setas a indicar o caminho, a não ser construí-lo no dia-a-dia, refletindo sobre os passos dados e o que resultaram, não apenas quanto aos números da empresa, mas quanto ao clima e felicidade gerada. Essa é a missão do que chamo de Rodas: refletir, olhar por diferentes pontos de vista trazidos pelos seus participantes e encontrar soluções contextualizadas para cada momento do grupo e da organização como um todo (quando as Rodas são em Rede, isto é, quando se comunicam pela existência de membros comuns em várias delas).
Os desafios e resultados do que vivi em Educação, nas Rodas com crianças, professores ou dirigentes escolares por mais de vinte anos são muito próximos do tipo de desafio que tenho enfrentado nas empresas nos últimos dez com seus dirigentes e lideres dos diferentes níveis hierárquicos.
Foi para pensar sobre essas proximidades e poder fortalecer ações humanizadoras nas organizações (de qualquer tipo), que investi os últimos anos de trabalho, sendo o último para registrar essas experiências, no próximo livro. Neste, trago o case de uma empresa, que incorporou as Rodas em seu cotidiano (com 700 colaboradores), e também algumas pistas dos resultados de longo prazo das vivências com os alunos "do primário" que apareceram no livro A Roda e o Registro (de 1993), hoje com 40 anos, e da escola de ensino fundamental que se estruturou com as Rodas da Educação Infantil à Formação dos Professores, 20 anos atrás, sobre a qual conto em Rodas em Rede (de 2001).
Tendo terminado o registro dessas experiências no livro Entre na Roda! uma metodologia de formação humana da sala de aula ao desenvolvimento organizacional (no prelo), pretendo voltar a escrever nesse blog.
Escolhi retomar a escrita aqui, após esses anos de silêncio, falando de Felicidade, apesar do mundo em que vivemos apontar para outro tipo de futuro. Mas essa é uma esperança. E também um desejo de contribuir para relações mais tolerantes e menos violentas, a começar pelos ambientes em que estamos, seja o familiar (base fundamental, como aponta o estudo de Harvard), os vizinhos do condomínio, ou grupos de qualquer tipo. Não parece que avançamos para isso. Mas pode dar zebra, como foi o caso da final da Eurocopa de hoje. Não costumo acompanhar (nem gostar de futebol), mas hoje, sem entender bem porque, acompanhei e vibrei com a bela partida entre as equipes da França e de Portugal. A primeira jogando em casa e favorita. Mas Portugal venceu e mereceu! País que não goza de muito boa fama em terras brasileiras, mas tem muitas lições a nos ensinar... como foi o caso da recente campanha presidencial do candidato Sampaio da Nóvoa, cujas entrevistas e discursos (inclusive o da derrota nas urnas, por muito pouco) mostraram que a humanidade, integridade e humildade podem combinar com política. Quase deu zebra. Espero que tenhamos outras zebras no mundo e um dia possamos ter a felicidade de comemorar. Viva Portugal!
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