terça-feira, 30 de agosto de 2016

Aprender a viver e a morrer, graças aos amigos


Quando aprendi a ler, ganhei de meus pais um abajur. Desde então, antes de dormir, lia. Meu pai, após pedir uma vez para eu apagar a luz, vinha conferir olhando embaixo da porta para ver se estava tudo escuro (acordar cedo para ir à escola era sempre difícil e ele queria me colocar na linha). Descobri pouco depois das primeiras desobediências que se eu colocasse uma lanterna por debaixo das cobertas e continuasse a leitura escondida, driblava a vigilância. Só lhe confessei isso quando ele já era idoso. Nessa altura, eu não corria mais o perigo dele terminar com minhas conversas e escritas noturnas. Pelo contrário, ríamos -ou chorávamos - de episódios de nossas vidas. Naquela época, escrevíamos sua história de vida, de modo que fui descobrindo alguns episódios que não conhecia de sua vida. Foi num desses momentos que descobri: herdei dele esse tipo de malandragem, ou melhor, a 'habilidade' de dar a volta na autoridade, como fez ele na infância para escapar da autoridade de meu avô e este, da de Hitler. (falei dessa sua traquinagem no post de agosto de 2013, em homenagem ao Dia dos Pais). Ri sozinha ao escrever as linhas acima... Como é bom achar uma desculpa ou um culpado para aquilo que está guardado em nosso lado sombrio, não é? 

Acho que a hora de dormir é como uma pequena morte, uma entrega, um desligar-se do mundo de cá, que é maravilhoso, com seu universo de possibilidades e leituras noturnas (uma 'morte', que apesar de doce, adio sempre). Quando vencida pelo cansaço, encontro o mundo de lá, também maravilhoso, com o imenso universo onírico, que vira matéria de conversas com os amigos junguianos ao meu redor. Continuo com dificuldade de apagar o abajur. E de acordar de manhã. Os livros foram meus primeiros amigos.

Danièle Renauld, em seu texto sobre o trabalho de luto, citado no post anterior, fala que uma das dificuldades da fase de luto é que ele nos remete a duas realidades simultaneamente: a perda da pessoa querida e a realidade de nossa própria morte. É sobre isso que fala Stanley Keleman, um "amigo" recente, em seu livro Viver o seu morrer. Stanley ajuda a compreendermos o significado de nossas pequenas mortes, vividas diariamente, como forma de nos dar condições de enfrentá-las sem medo ou morbidez. Já na abertura do livro, ele diz: "Viver é movimento. Uma outra palavra para isto é processo. Viver o seu morrer é a história do movimento de sua vida". Vida feita de movimentos de expansão e contração permanentes. A vida é pulsante, sempre. A expansão é a parte do movimento que nos envia para além de nossas barreiras físicas, em direção ao mundo da interação social, por exemplo, enquanto que o movimento de contração, de recolhimento, nos leva para dentro, física ou emocionante falando, para a introspecção. 

Em outro livro seu, Anatomia Emocional, Stanley também contribui para o trabalho de luto e para a compreensão do morrer. E do viver. Diz ele: "A vida é um evento inteiro e não uma série de subsistemas, e todas as formas de vida são interligadas, brotando de uma única matriz comum (...). Cada um de nós é uma cadeia de fatos vivos, uma rede organizada, um microambiente que compõe um macro-organismo". Stanley é um dos amigos que me acompanham nas reflexões sobre o trabalho de luto de meu pai, retomados agora pela fase delicada da vida de minha mãe, que remete a meu próprio morrer. As reflexões desses amigos recentes, Danièle e Stanley, me ajudam a olhar para dentro, identificando minhas emoções. E para fora, buscando a compreensão dos processos de vida do morrer para além da dor pessoal. Também como um pulsar.

E por falar em amigos, não posso deixar de me referir ao Marco Spinelli, que escreveu recentemente o belo texto "Solve e coagula" em seu blog, que, sincronicamente, conversam com essas reflexões sobre o pulsar da vida. Junguiano, Marco fala do conhecimento dos alquimistas e possibilita sua compreensão oferecendo vários exemplos, desde o vivido por Sir Percival em sua busca do cálice sagrado, até alguns bem recentes, como o vivido por Diego Hipólito em sua luta, coroada na última Olimpíada. Posso emprestar esse meu amigo: http://blogdomarcospinelli.blogspot.com.br/.

Nesse movimento de partilhas, reflexões sobre o viver, envelhecer e morrer, António Nóvoa lembra um de seus amigos artistas, o surrealista Cruzeiro Seixas, que "lhe" disse: "Quantos anos de dura aprendizagem são precisos para um homem aprender a viver?”. Num congresso sobre o envelhecimento, António, que à época era reitor da Universidade de Lisboa, formula: "quantos anos de dura aprendizagem são precisos para um homem aprender a morrer?”. Ele acentuava ali a importância da construção dos conhecimentos com base nas pessoas e nas suas experiências, e a responsabilidade das universidades de valorizar, também, este autoconhecimento, pois “ele é a base necessária em que assenta qualquer processo de formação de um adulto”. 
Stanley é amigo recente, mas os livros de Jung me acompanham há décadas. Há alguns meses fui visitar o “seu” lago, em Küsnacht, na Suiça, numa reverência ao que ele me ensinou. E ensina. Este é o poder dos grandes mestres: transcendem a própria morte. 

Stanley "me" contou, em seu livro sobre o morrer,  uma história do Jung, que teria recusado um paciente , dizendo que não estava mais atendendo pacientes novos, pois estava se preparando para morrer. "Isto aconteceu cerca de um ano antes da morte de Jung. A partir dessa história, reconheci que Jung conhecia bem sua vida. Ele precisava de tempo para deixar que seu processo chegasse ao seu final. Ele sabia como estar com sua vida. Ele sabia como fazer o seu fim e viveu este fim completamente" (p. 46).

O que me ajuda a viver (e a morrer), diariamente, é essa rede de amigos. E a dos amigos deles.


segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Transições de vida e trabalho de luto


Domingo  passado foi Dia dos Pais. Minha homenagem foi silenciosa. Reli o post escrito neste blog, há exatos três anos, quando ainda estava em processo de luto. E refleti sobre o que se seguiu de lá para cá. Interna e externamente. Quantos amigos perderam seus pais, sogros. Muitos cuidaram (ou estão cuidando) de seus pais idosos. Alguns perderam irmãos e até filhos nesse período. Pude estar com alguns deles nesse pedaço do caminho. Aprendi com a morte do meu pai o quanto é importante sentir-se acompanhado nesse momento. A presença, conversas ou mensagens de vários tipos podem ser um presente: fazer com que nos sintamos parte de algo maior, de uma comunidade, onde todos, mais cedo ou mais tarde passam por perdas como aquela. Um elo para além do que palavras podem expressar. Uma perda e um ganho simultâneos. Por outro lado, para além dessa acolhida recebida das pessoas que nos acompanham nesse momento, há um trabalho a fazer. Um trabalho interno. E intransferível.

Como parte desse trabalho, usei a escrita como instrumento, como em tantas outras transições de vida. A escrita pode ser de enorme ajuda  nesse trabalho do luto. Percebo que meu primeiro post sobre esse assunto foi em 07/05/2012. Além dos posts nesse blog, acabei escrevendo um capítulo do livro "Entre na Roda!", contando o processo daqueles sete anos de acompanhamento de meu pai, com as estratégias que ia criando para dar suporte aos desafios que apareciam, dos mais diversos tipos. Suporte a ele, a mim, e aos que estavam ao redor, participando daquela rede de cuidado.

Domingo passado, ao refletir sobre o que vivi durante o luto, acabei me lembrando do material de um congresso que participei muitos anos atrás sobre o tema do acompanhamento nas  mais diversas situações de vida e áreas de atuação, profissional ou não (L´accompagnement et seus paradoxos: questions aux usagers, practiciens, scientifiques et politiques). Na ocasião, interessava-me o acompanhamento da formação dos professores por meio das Rodas de partilha. Foi sobre isso que fiz minha apresentação no congresso. Lembro-me de algumas que assisti, marcantes. Naquele domingo, vasculhando nos Anais, deparei-me com o texto "Transições de vida e trabalho de luto", apresentado por Danièle Renault, da Universidade François Rabelais de Tours. Esse texto me fez boa companhia na homenagem silenciosa e retomada do que vivi. Encontrei ali elementos para uma melhor compreensão do que ela chama de 'trabalho do luto', e de seu acompanhamento, oferecendo um olhar sobre as experiências desse período como experiências formativas, no sentido que nos convidam a mudar de olhar sobre nós mesmos, sobre os outros, e sobre o mundo.

Esse trabalho de luto faz uma ligação entre o passado e o futuro. Ele permitirá a integração do passado, como presença interior, com o sentido que cada um dará à sua própria história e aos acontecimentos que a construíram. A questão do sentido é essencial a esse trabalho, diz a autora. Viktor Frankl, já citado neste blog, certamente concordaria. E essas ligações de sentido, na história de vida, ligando o passado, o período de transição de vida, que é o luto vivido de maneira presente, e no presente, permitirão a continuidade da vida, com novos projetos, também preenchidos de sentido.

Tempo é a palavra que rege a fase do luto. Há etapas, mas os caminhos são sempre diferentes, pois dependem, ao mesmo tempo, da relação única que a unia a pessoa àquela que se foi, seus recursos internos  (sua capacidade de fazer face, sua relação ao mundo) e externos (seu meio familiar e sócio-profissional). E tempo é algo escasso na vida de nossa sociedade atual. "Quem tem o tempo dar um tempo hoje? A indisponibilidade de cada um contribui, certamente, à inflação de demandas da ajuda de profissionais", diz a autora.

Um trabalho de compreensão daquilo que ela está a viver nessa fase de transição de vida é uma das necessidades da pessoa em luto. Mas também o sentimento de ser compreendido. "Ter atravessado essa prova que o outro vive parece ser importante em matéria de acompanhamento, pois ter sido 'tocado' onde o outro será 'tocado' cria um espaço comum que permite o encontro". Há uma 'função de suporte', exercida por familiares e também pelo meio social, como pelos amigos. Esse suporte social permite romper um isolamento e restaurar ligações sociais, muitas vezes abaladas em situações de crise, cuja elaboração se dá também na interação com os outros.

Danièle destaca também três estratégias de acompanhamento de pessoas na fase do luto, para ajudá-las a reconstruir sua identidade, reorganizar sua vida material, social ou afetiva, podendo ser complementares ao acompanhamento da família e amigos.

A primeira é um acompanhamento individual, onde a pessoa poderá exprimir seus sentimentos sem o medo de ser julgada, sem que o que diga chegue às pessoas de sua família, por exemplo, podendo reconhecer suas emoções e sentimentos, redefinir sua relação à pessoa perdida, ao mundo e a si mesma.

A segunda é um grupo de suporte. Um grupo de pares para trocar experiências sobre a mesma problemática, coordenado por um profissional. No caso desses grupos, ninguém está só a viver o que vive e nem está lá, unicamente, para receber ajuda, mas também para participar no suporte dos outros membros do grupo, o que em si dá uma nova dimensão ao que ela vive no luto, e na experiência do grupo.

A terceira é ter uma obra como testemunha, isto é, trabalhar sobre um objeto-mediador (escrita, pintura, escultura ou desenho, como o de mandalas). Uma obra a ser depositária das emoções, dos sentimentos e do vivido. O contato com esse objeto-mediador, entre a pessoa e sua dor, permite que ela 'se coloque em ação', enquanto trabalha sobre a matéria, criando um espaço transicional.

Percebo que meu trabalho de luto se deu em espiral, redimensionando a cada nova volta (e a cada novo texto), os sentimentos e os sentidos extraídos, ampliando-os para novas maneiras de enfrentar perdas. Não só pela morte ou afastamento de pessoas, mas também de situações de vida, como a da vitalidade física dos anos da juventude. Estamos a morrer um pouco a cada dia.

Entretanto, podemos olhar para a vida, e para a morte, de maneira diferente. Podemos estar a construir, um pouco a cada dia, uma grande obra (também trabalhosa, como tudo de valor): uma imensa LIBERDADE, no sentido que lhe dá Viktor Frankl: a de poder escolher nossa atitude ante qualquer circunstância dada.

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Suporte e cuidado em rede


Tenho pensado sobre o suporte que temos e damos uns aos outros. Como nos acompanhamos pelos labirintos de nossas vidas? No caso das pessoas que, profissionalmente, cuidam de outras, como se dá (ou poderia se dar) esse suporte?

Lembro-me do papel importantíssimo em minha formação que teve o "grupo da Madalena Freire" (já citado em posts atrás),  por meio do acompanhamento das práticas de educadores que lidavam com grupos de crianças, jovens ou professores nas escolas. O incentivo à reflexão e a existência de uma escuta atenta nos dava um suporte para nossas práticas, ao mesmo tempo em que aprendíamos pelo processo de autoformação partilhada naquele grupo.

O "grupo da Ivani Fazenda", formado por mestrandos e doutorandos, teve um papel semelhante ao da Madalena: nós nos acompanhávamos em nossas pesquisas, levantando questões, debatendo pontos de vista sobre os textos teóricos que faziam parte da bibliografia e os textos produzidos por cada um. Ali, junto ao suporte para as pesquisas individuais, vivíamos encontros de almas e de afetos. A prática do grupo conversava com as teorias que discutíamos. E as teses e dissertações iam sendo escritas com aquele suporte.

Os "Grupos Balint" foram criados em meados do século XX, originalmente para médicos. Eram grupos de formação e de pesquisa a partir de casos clínicos apresentados pelos participantes (grupo de 8 a 12 médicos, em encontros semanais). O objetivo não era psicoterapêutico (apesar de serem conduzidos por um psicanalista), nem de buscar soluções para os problemas  que enfrentavam, mas de aprender a escutar os outros e si mesmo, a partir da relação médico-paciente.  Pouco a pouco esses grupos serviram de inspiração para muitos tipos de trabalhos com grupos de diversas áreas, baseados na análise das práticas, e conduzidos por profissionais de diferentes áreas e abordagens, não mais, necessariamente, por psicanalistas.

Na área da Educação, por exemplo, Jeanne Moll, conta de seu trabalho com professores, a partir da análise das práticas, le groupe de soutien au soutien, cuja ideia é dar um  suporte àqueles que dão suporte. Esses grupos foram criados por Jacques Lévine e inspirados nos trabalhos de Michael Balint. Jeanne Mooll descreve o trabalho de acompanhamento dos professores, centrado na dimensão relacional dessa profissão, como "uma dinâmica de trocas inter humanas, onde aquele que recebeu se engaja a dar, por sua vez, para que a reflexão prossiga, se enriqueça e não se perca". Através as trocas no grupo, as situações descritas ganham inteligibilidade, "porque podemos ver melhor a partir dos diferentes pontos de vista e a troca dá asas à inteligência" (In 'Le groupe de soutien au soutien', Les Cahiers Pedagogiques nº 393, avril 2001).

Esse era também o espírito que animava a "Roda dos Professores de Roda", um grupo de professores de uma escola, que aprendiam a conduzir Rodas com seus alunos através da experiência de serem, eles mesmos, participantes de uma Roda, conduzida pela coordenadora pedagógica da escola. Descrevi essa experiência em Rodas em Rede.

Todas essas são práticas de cuidado. E de inclusão da singularidade. Como disse Leonardo Boff, em seu livro Saber cuidar, trata-se de uma ética do humano, "uma maneira do próprio ser de estruturar-se e dar-se a conhecer", um modo-de-ser-essencial. Algo que já dizia Heidegger, em Ser e Tempo, "Do ponto de vista existencial, o cuidado se acha a priori, antes de toda atitude e situação do ser humano". Também a belíssima abertura das Olimpíadas no Rio, nesta semana, falou disso. Profundidade, beleza e diversidade, trazendo uma mensagem. Para mim, ficou a de cuidarmos do Planeta e de cada um, incluindo o Outro, o diferente (principalmente o que nos incomoda), e dando-nos suporte, uns aos outros, numa rede.

Proponho um duplo exercício para alimentar essa rede: olhar para trás e pensar: que grupos (ou mestres) me deram suporte no processo de tornar-me o que sou (como pessoa e profissional)? E... o que faço para passar adiante o que recebi?

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Registros no Macunaíma


Semana passada fui dar uma palestra para os professores do Teatro Escola Macunaíma. O pedido foi para que eu falasse sobre o Registro, tema e prática que me acompanha desde... os 11 anos, quando a menina tímida (e magricela de dar dó) compensava a dificuldade de se expressar na escola, com a escrita de um Diário. Queriam saber dessa história e do que eu poderia contribuir com o projeto semestral da escola, que será sobre esse tema (já estou curiosa sobre a peça que vão criar no final do ano, fechando os projetos semestrais dos professores e seus alunos...será que vão me convidar?)

Quando me chamam para um palestra, quero logo saber quem é o público, o que fazem, porque se interessam pelo que eu possa lhes dizer... Uma maneira de tentar estabelecer um contato mais próximo de minhas falas e exemplos. E me aproximar do universo daqueles que vou encontrar, numa tentativa de diálogo, apesar de ser uma palestra, e não uma Roda. Foi interessante esse convite, pois desde pequena, aquela magricela tinha um sonho: ser artista e aparecer na TV. Tinha também a frustração de não ser  loira e de cabelos cacheados (eu, que era sempre a indiazinha nas  dramatizações escolares, e temia entrar em cena, por medo de esquecer as falas). Sonhos e sentimentos só revelados a mim mesma no Diário.

Durante a palestra "O Registro como instrumento de reflexão e criação", contei histórias de salas de aula e exemplifiquei para ilustrar os vários efeitos dos Registros, como: criar uma distância do vivido, promover o autoconhecimento e o  auto desenvolvimento, desenvolver a criatividade, possibilitar a comunicação e a socialização e... até melhorar a saúde! Felizmente deu tempo para conversarmos um pouco, após a apresentação, e saber o que daquilo tudo os tocava mais e de que forma. Um professor levantou a questão da dissociação Teoria-Prática (eu havia contado as histórias, vividas na Faculdade de Educação, e relatadas no post anterior). Outra professora falou que gostou do esquema que apresentei sobre a importância dos Registros e  seus cinco efeitos. Ela planejava iniciar o semestre apresentando-o a seus alunos, por ser esse o tema do semestre. Sim, mas... com o cuidado de não ser uma Teoria descolada da Prática... Infelizmente, só falei do cuidado, e não sugeri qualquer pista para iniciar a reflexão de como fazê-lo, implicando os alunos, suas próprias histórias e sentidos únicos. Só dentro do Uber, na volta para casa, pensei nisso. Um pouco tarde, é verdade. Mas se um dos efeitos do Registro é possibilitar a comunicação/socialização, quem sabe este texto chegue até ela... Aqui vai uma ideia para essa aproximação com seus alunos (a ser desenvolvida, revista, ajustada), que me ocorreu enquanto conversava com o motorista do Uber (adoro conversar com eles): conte o que ressoou em você daquilo que ouviu, suas próprias experiências e histórias com os Registros. Pode usar alguma que ouviu em minha apresentação, ou  adaptar, reinventar (artistas são ótimo para isso). Pode pedir que cada um escolha qualquer um daqueles cinco aspectos e conte um episódio de sua vida que possa se relacionar a ele, e fazer sessões de contação das pequenas histórias suscitadas, ou intuições que tenham tido... É um começo. Acho que a questão da distância entre Teoria-Prática na sala de aula tem a ver com a distância do que os alunos ouvem do professor e dos sentidos que estão a construir em suas vidas.

Dentre os exemplos ilustrativos dos efeitos dos Registros, e por ter a ver com o contexto daqueles professores, contei a história de uma classe de 4ª série do "primário", de quando eu tinha 25 anos. Aqueles alunos quase me fizeram desistir de ser professora, na minha já longa carreira de 4 anos. Era a terceira classe de 4ª série  que eu enfrentava. A professora "experiente" queria avançar com os Registros trabalhados com algum sucesso com as duas classes anteriores. Mas aqueles alunos não estavam nem aí para meus projetos. Tinham o mundo deles, do qual eu não participava. E eu me via a dar broncas pedindo silêncio... Tudo o que eu criticava no modelo de professor tradicional. Quando resolvi encarar a dificuldade, e usar as escritas no Diário para aprofundar minhas observações sobre cada um e sobre a dinâmica do grupo, acabei descobrindo que eles transpiravam... teatro... Já contei essa história em detalhes em A Roda e o Registro, e do como, seguindo as pistas que o Diário revelava, acabei criando a Cedibra, a professora substituta brincalhona, que contrabalançava a dureza e expectativas da titular. Sim, aquele era um palco, através do qual pude pensar sobre o papel do professor (ops, da professora). Mas... não achava que aquele era um palco "de verdade".

Foi no final da palestra, já na hora dos cumprimentos, que uma das professoras de teatro se aproximou, a Mariana (que eu já cumprimentara mais de uma vez, após vê-la em cena). O que me disse iluminou a imagem que por tanto tempo guardei de mim mesma: da tímida com dificuldades para enfrentar o palco. E a transformou. Mariana estava certa de que eu tinha feito curso de teatro "Como não? Você dominou a cena! Você é muito engraçada!", disse. Talvez ela tenha razão. Fiz um curso de teatro. Meus professores têm estado disfarçados no papel de alunos. Alguns, crianças. Outros, adolescentes (lembro das turminhas desafiantes do CEFAM). E muitos outros adultos, como os funcionários da USP, disfarçados de pedreiros, pintores e marceneiros. Professores substitutos, como foi a Cedibra um dia. Queridos "alunos", obrigada a cada um de vocês! Obrigada, Mariana!