segunda-feira, 18 de julho de 2016

Sede de Sentido


Vou permanecer no tema da semana passada. O post que eu escrevia sobre a formação de professores vai ter que esperar, pois o Estadão deste domingo provocou-me novamente. Ele traz os resultados de um estudo com jovens brasileiros de 30 anos, concluindo que 52% deles estão frustrados com a carreira, trabalham para sobreviver e não fazem o que gostam.

Reencontrei meus colegas de Colégio, hoje na faixa dos 54, muitos em busca de envolvimento em "atividades com propósito", para além das atividades e responsabilidades que assumiram na vida profissional até aqui. Mas, segundo o estudo 'Projeto 30', realizado pela Giacometti Comunicação, a frustração tem sido sentida mais cedo. Alguns dos jovens pesquisados já deram uma guinada na vida em busca de um trabalho que "tenha significado para nós e para o mundo", ligados, por exemplo, à transformação social, o consumo consciente, a revitalização de praças, etc.

Algumas explicações para essa frustração, já "tão cedo" (na perspectiva da cinquentona aqui) não são exatamente surpreendentes, como: escolhas profissionais equivocadas, falta de autoconhecimento, ou guiar as próprias escolhas pela questão financeira (o que não é sustentável, nem financeiramente, a longo prazo). Apesar de um tanto óbvia, trazem aspectos interessantes para a reflexão. Como disse Paulo Freire, é quando "a gente se aproxima da obviedade para vê-la desde dentro e por dentro é que a gente vê mesmo que nem sempre o óbvio é tão óbvio".

Por exemplo, apesar de sabermos que o "erro" é fundamental para as aprendizagens (desde aprender a falar) ou para as invenções, precedidas por muitas tentativas frustradas, no universo educativo continua a concepção do erro como algo vergonhoso, como instrumento classificatório, quando não instrumento de humilhação. A cultura do "ter que ser feliz e bem sucedido", da perfeição e da beleza podem estar nos levando para o buraco, junto com a inércia de transformações significativas no universo educacional, ou mesmo no universo empresarial, onde é aceito como algo natural a competição, o estresse, e a busca de resultados numéricos a todo custo. Mas é a longo prazo que vemos esse custo ser muito elevado, gerando perda de produtividade, turnover e mais investimentos em palestras motivacionais, finais de semana em hotéis com jogos de equipe e desafios na tirolesa. Também nesse contexto vale o que disse Rafael Lourenço em seu comentário ao post anterior: "é justamente o prazo que faz toda a diferença!".

As pesquisas que avaliam no longo prazo, como aquela citada na semana passada, ou essa sobre algumas obviedades podem nos ajudar a refletir. E avançar, efetivamente, nas práticas de liderança nas empresas e na condução do processo educacional, da escola básica à universidade, pois a aprendizagem se dá mais pelo exemplo e pelo que vivemos, do que pelo que nos dizem os manuais ou acadêmicos cheios de diplomas. Outra obviedade.

Um dos pontos de reflexão do estudo 'Projeto 30' é a baixa 'criticidade' de pensamento na fase escolar. O que Paulo Freire já tratava na década de 60 do século passado. E continua valendo.

Às vezes, é nas situações adversas, naquilo que vivenciamos de amargo na vida e nas crises (de origem interna ou não) que o novo pode surgir. Acho que ainda vamos estudar muito o que aprendeu,  e ensinou, Viktor Frankl a partir de suas vivências como prisioneiro em Auschwitz. E que podem ser muito relevantes para esses estudos sobre a satisfação e felicidade no trabalho. Frankl diz, em seu livro Sede de Sentido, que normalmente o homem move-se num plano horizontal, cujos pólos são o sucesso e fracasso. Essa é a dimensão de homo sapiens, aquele que quer ser bem sucedido, seja como empresário, seja como 'play-boy'.  Mas há outro eixo, perpendicular ao primeiro, ao que chama de homo patiens, a daquele que, mesmo diante de um sofrimento inevitável, consegue avançar até à plena realização do sentido da sua vida. Esse eixo liga os pólos realização e desespero. Paciência traz, junto, a ideia de prazo, de "dar um tempo" e não sair correndo em busca de oportunidades com os resultados mais rápidos (e de preferência mais fáceis). Frankl conta de uma pesquisa que analisou 20 profissionais, graduados em Harvard, 20 anos antes. Nesse meio tempo, seguiram carreiras brilhantes, mas um grande percentual afirmava, vinte anos depois, não saber para que todo aquele sucesso. Alguns se diziam desesperados. Estavam numa crise de falta de sentido.

A busca de sentido é uma jornada. Assim como um herói, por definição, tem a sua a percorrer. Senão não seria um herói. Alguns filmes da Pixar tem trazido o tema, para crianças e adultos, como os Divertida Mente, que mostra o papel estruturante da tristeza (aprendi isso com o Dr Marco Spinelli, em seu blog, que adoro!), Procurando Nemo e o recente Procurando Dory. Vemos em cada uma das jornadas dos pequenos protagonistas suas "deficiências", seus desequilíbrios e a maneira como desesperadamente os enfrentam. Pois são justamente as características únicas do Nemo, com seu nado tortuoso devido à nadadeira pouco desenvolvida, da Dory, com seu problema crônico de memória, ou do polvo Hank, de sete tentáculos e uma personalidade complexa, que os fazem, inteligentes e interessantes, escapando do padrão de normalidade e das médias, que infelizmente ainda perseguem as crianças em nossas escolas. A frustração no trabalho começa, obviamente, nas frustrações na escola.

Nenhum comentário: