sábado, 23 de julho de 2016

Formação de Professores entre a teoria e a prática


Lembro-me dos anos do curso de Pedagogia. E da contagem regressiva para terminá-lo. Era o terceiro curso universitário que começava (após os de Administração Pública na FGV e Biologia na USP). A opção pela Educação se deu durante um estágio na sala de alfabetização da Madalena Freire. Aquela sala de aula transpirava paixão pelo conhecimento, expresso nos olhos brilhando das crianças e nos da Madalena, que generosamente me deixava ler seu Diário, um enorme caderno de capa dura, onde ela  registrava suas reflexões diárias sobre aquela prática com as crianças, suas questões (das crianças e dela mesma). Meus olhos brilharam junto.

No ano seguinte, em paralelo ao curso de Pedagogia, assumi uma classe de crianças de 4 anos,  e entrei no grupo de formação de educadores que a Madalena iniciava, no qual discutíamos nossas práticas pedagógicas e estudávamos a partir das questões que surgiam das reflexões das várias práticas ali partilhadas. Um intenso exercício de reflexão (cada um de nós precisava manter um Diário reflexivo da prática profissional, assim como levar, a cada encontro, um texto com suas reflexões sobre o encontro anterior). E um exercício de escuta das reflexões dos outros. Eram dois mundos de formação muito diferentes. Na faculdade havia uma dissociação enorme entre teoria e prática (salvo raras, e preciosas, exceções). 

Anos depois, ao ingressar no Doutorado na Faculdade de Educação, para ampliar a reflexão sobre aquelas práticas, cheguei a ouvir de uma livre-docente: "Cecília, o que você faz aqui? Você é da escola!" Não havia mudado muita coisa, mesmo após os fartos estudos que demonstravam o caráter existencial do aprender e o papel central da experiência  para as aprendizagens de crianças e de adultos, inclusive das aprendizagens do ser professor. Estudos esses, divulgados por aqueles mesmos professores da academia que, em suas salas de aula, desprezavam a prática pedagógica e, parece, não refletiam sobre as experiências que eles próprios ofereciam a seus alunos.

Neste mês de Julho, a formação de Professores foi tema de entrevistas, matérias e até de editorial do Estadão, como o do dia 2. Neste, destacam-se os esforços do Conselho Estadual de Educação (CEE-SP) para combater a visão reducionista de muitas faculdades de educação que entendem a 'prática' como uma mera aplicação de teorias, sendo preciso superar a falsa disjuntiva entre 'teoria' e 'prática', como se fossem realidades antagônicas. 

"Além de impedir que o futuro docente receba a capacitação profissional que o curso de pedagogia deve fornecer, o atual distanciamento entre 'prática' e 'teoria'  na formação acadêmica dos professores significa implicitamente uma desvalorização do trabalho docente na sala de aula, como se essa atividade não fosse importante o suficiente para ser ensinada na cátedra universitária. Logicamente, esse distanciamento é a última coisa que um curso de pedagogia deve promover. A formação acadêmica deve ser um poderoso estímulo para que o aluno de pedagogia queira ir depois à sala de aula ensinar".

Simon Schwartzman, em entrevista publicada em 11 de Julho, concorda: "os cursos de pedagogia, mesmo nas melhores universidades, não preparam os professores para o dia a dia das sala de aula". Também o economista Ernesto Martins Faria, coordenador de Projetos da Fundação Lemann, refere-se à mesma questão, em matéria publicada no dia  13 de Julho, dizendo que uma das maiores dificuldades é superar as lacunas dos cursos de licenciatura, que em muitos casos têm pouco diálogo com a prática na sala de aula. "O professor alfabetizador, por exemplo, conheceu a teoria, mas não aprendeu como lidar com crianças na pedagogia. Falta conhecimentos de gestão de sala de aula".

O despreparo e a desvalorização do trabalho do professor começam na própria faculdade de educação. Seria ótimo que muitos de seus professores sentassem na Roda da Madalena.

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