segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Suporte e cuidado em rede


Tenho pensado sobre o suporte que temos e damos uns aos outros. Como nos acompanhamos pelos labirintos de nossas vidas? No caso das pessoas que, profissionalmente, cuidam de outras, como se dá (ou poderia se dar) esse suporte?

Lembro-me do papel importantíssimo em minha formação que teve o "grupo da Madalena Freire" (já citado em posts atrás),  por meio do acompanhamento das práticas de educadores que lidavam com grupos de crianças, jovens ou professores nas escolas. O incentivo à reflexão e a existência de uma escuta atenta nos dava um suporte para nossas práticas, ao mesmo tempo em que aprendíamos pelo processo de autoformação partilhada naquele grupo.

O "grupo da Ivani Fazenda", formado por mestrandos e doutorandos, teve um papel semelhante ao da Madalena: nós nos acompanhávamos em nossas pesquisas, levantando questões, debatendo pontos de vista sobre os textos teóricos que faziam parte da bibliografia e os textos produzidos por cada um. Ali, junto ao suporte para as pesquisas individuais, vivíamos encontros de almas e de afetos. A prática do grupo conversava com as teorias que discutíamos. E as teses e dissertações iam sendo escritas com aquele suporte.

Os "Grupos Balint" foram criados em meados do século XX, originalmente para médicos. Eram grupos de formação e de pesquisa a partir de casos clínicos apresentados pelos participantes (grupo de 8 a 12 médicos, em encontros semanais). O objetivo não era psicoterapêutico (apesar de serem conduzidos por um psicanalista), nem de buscar soluções para os problemas  que enfrentavam, mas de aprender a escutar os outros e si mesmo, a partir da relação médico-paciente.  Pouco a pouco esses grupos serviram de inspiração para muitos tipos de trabalhos com grupos de diversas áreas, baseados na análise das práticas, e conduzidos por profissionais de diferentes áreas e abordagens, não mais, necessariamente, por psicanalistas.

Na área da Educação, por exemplo, Jeanne Moll, conta de seu trabalho com professores, a partir da análise das práticas, le groupe de soutien au soutien, cuja ideia é dar um  suporte àqueles que dão suporte. Esses grupos foram criados por Jacques Lévine e inspirados nos trabalhos de Michael Balint. Jeanne Mooll descreve o trabalho de acompanhamento dos professores, centrado na dimensão relacional dessa profissão, como "uma dinâmica de trocas inter humanas, onde aquele que recebeu se engaja a dar, por sua vez, para que a reflexão prossiga, se enriqueça e não se perca". Através as trocas no grupo, as situações descritas ganham inteligibilidade, "porque podemos ver melhor a partir dos diferentes pontos de vista e a troca dá asas à inteligência" (In 'Le groupe de soutien au soutien', Les Cahiers Pedagogiques nº 393, avril 2001).

Esse era também o espírito que animava a "Roda dos Professores de Roda", um grupo de professores de uma escola, que aprendiam a conduzir Rodas com seus alunos através da experiência de serem, eles mesmos, participantes de uma Roda, conduzida pela coordenadora pedagógica da escola. Descrevi essa experiência em Rodas em Rede.

Todas essas são práticas de cuidado. E de inclusão da singularidade. Como disse Leonardo Boff, em seu livro Saber cuidar, trata-se de uma ética do humano, "uma maneira do próprio ser de estruturar-se e dar-se a conhecer", um modo-de-ser-essencial. Algo que já dizia Heidegger, em Ser e Tempo, "Do ponto de vista existencial, o cuidado se acha a priori, antes de toda atitude e situação do ser humano". Também a belíssima abertura das Olimpíadas no Rio, nesta semana, falou disso. Profundidade, beleza e diversidade, trazendo uma mensagem. Para mim, ficou a de cuidarmos do Planeta e de cada um, incluindo o Outro, o diferente (principalmente o que nos incomoda), e dando-nos suporte, uns aos outros, numa rede.

Proponho um duplo exercício para alimentar essa rede: olhar para trás e pensar: que grupos (ou mestres) me deram suporte no processo de tornar-me o que sou (como pessoa e profissional)? E... o que faço para passar adiante o que recebi?

Nenhum comentário: