segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Registros no Macunaíma


Semana passada fui dar uma palestra para os professores do Teatro Escola Macunaíma. O pedido foi para que eu falasse sobre o Registro, tema e prática que me acompanha desde... os 11 anos, quando a menina tímida (e magricela de dar dó) compensava a dificuldade de se expressar na escola, com a escrita de um Diário. Queriam saber dessa história e do que eu poderia contribuir com o projeto semestral da escola, que será sobre esse tema (já estou curiosa sobre a peça que vão criar no final do ano, fechando os projetos semestrais dos professores e seus alunos...será que vão me convidar?)

Quando me chamam para um palestra, quero logo saber quem é o público, o que fazem, porque se interessam pelo que eu possa lhes dizer... Uma maneira de tentar estabelecer um contato mais próximo de minhas falas e exemplos. E me aproximar do universo daqueles que vou encontrar, numa tentativa de diálogo, apesar de ser uma palestra, e não uma Roda. Foi interessante esse convite, pois desde pequena, aquela magricela tinha um sonho: ser artista e aparecer na TV. Tinha também a frustração de não ser  loira e de cabelos cacheados (eu, que era sempre a indiazinha nas  dramatizações escolares, e temia entrar em cena, por medo de esquecer as falas). Sonhos e sentimentos só revelados a mim mesma no Diário.

Durante a palestra "O Registro como instrumento de reflexão e criação", contei histórias de salas de aula e exemplifiquei para ilustrar os vários efeitos dos Registros, como: criar uma distância do vivido, promover o autoconhecimento e o  auto desenvolvimento, desenvolver a criatividade, possibilitar a comunicação e a socialização e... até melhorar a saúde! Felizmente deu tempo para conversarmos um pouco, após a apresentação, e saber o que daquilo tudo os tocava mais e de que forma. Um professor levantou a questão da dissociação Teoria-Prática (eu havia contado as histórias, vividas na Faculdade de Educação, e relatadas no post anterior). Outra professora falou que gostou do esquema que apresentei sobre a importância dos Registros e  seus cinco efeitos. Ela planejava iniciar o semestre apresentando-o a seus alunos, por ser esse o tema do semestre. Sim, mas... com o cuidado de não ser uma Teoria descolada da Prática... Infelizmente, só falei do cuidado, e não sugeri qualquer pista para iniciar a reflexão de como fazê-lo, implicando os alunos, suas próprias histórias e sentidos únicos. Só dentro do Uber, na volta para casa, pensei nisso. Um pouco tarde, é verdade. Mas se um dos efeitos do Registro é possibilitar a comunicação/socialização, quem sabe este texto chegue até ela... Aqui vai uma ideia para essa aproximação com seus alunos (a ser desenvolvida, revista, ajustada), que me ocorreu enquanto conversava com o motorista do Uber (adoro conversar com eles): conte o que ressoou em você daquilo que ouviu, suas próprias experiências e histórias com os Registros. Pode usar alguma que ouviu em minha apresentação, ou  adaptar, reinventar (artistas são ótimo para isso). Pode pedir que cada um escolha qualquer um daqueles cinco aspectos e conte um episódio de sua vida que possa se relacionar a ele, e fazer sessões de contação das pequenas histórias suscitadas, ou intuições que tenham tido... É um começo. Acho que a questão da distância entre Teoria-Prática na sala de aula tem a ver com a distância do que os alunos ouvem do professor e dos sentidos que estão a construir em suas vidas.

Dentre os exemplos ilustrativos dos efeitos dos Registros, e por ter a ver com o contexto daqueles professores, contei a história de uma classe de 4ª série do "primário", de quando eu tinha 25 anos. Aqueles alunos quase me fizeram desistir de ser professora, na minha já longa carreira de 4 anos. Era a terceira classe de 4ª série  que eu enfrentava. A professora "experiente" queria avançar com os Registros trabalhados com algum sucesso com as duas classes anteriores. Mas aqueles alunos não estavam nem aí para meus projetos. Tinham o mundo deles, do qual eu não participava. E eu me via a dar broncas pedindo silêncio... Tudo o que eu criticava no modelo de professor tradicional. Quando resolvi encarar a dificuldade, e usar as escritas no Diário para aprofundar minhas observações sobre cada um e sobre a dinâmica do grupo, acabei descobrindo que eles transpiravam... teatro... Já contei essa história em detalhes em A Roda e o Registro, e do como, seguindo as pistas que o Diário revelava, acabei criando a Cedibra, a professora substituta brincalhona, que contrabalançava a dureza e expectativas da titular. Sim, aquele era um palco, através do qual pude pensar sobre o papel do professor (ops, da professora). Mas... não achava que aquele era um palco "de verdade".

Foi no final da palestra, já na hora dos cumprimentos, que uma das professoras de teatro se aproximou, a Mariana (que eu já cumprimentara mais de uma vez, após vê-la em cena). O que me disse iluminou a imagem que por tanto tempo guardei de mim mesma: da tímida com dificuldades para enfrentar o palco. E a transformou. Mariana estava certa de que eu tinha feito curso de teatro "Como não? Você dominou a cena! Você é muito engraçada!", disse. Talvez ela tenha razão. Fiz um curso de teatro. Meus professores têm estado disfarçados no papel de alunos. Alguns, crianças. Outros, adolescentes (lembro das turminhas desafiantes do CEFAM). E muitos outros adultos, como os funcionários da USP, disfarçados de pedreiros, pintores e marceneiros. Professores substitutos, como foi a Cedibra um dia. Queridos "alunos", obrigada a cada um de vocês! Obrigada, Mariana!

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